sexta-feira, 23 de abril de 2010

Mídia Local e suas interfaces com a mídia comunitária no Brasil - Cicilia Peruzzo

Nos últimos anos vem ocorrendo uma tendência crescente de valorização do espaço local e comunitário pelos grupos humanos na dinâmica da vida cotidiana, em contraponto à massificação e às alterações de identidades motivadas pelo processo de globalização dos mercados.

Apesar da dificuldade em diferenciar o espaço dito local e o comunitário, a tendência é que a mídia local se ocupe de assuntos mais gerais enquanto os meios comunitários trabalham principalmente com pautas de interesse mais específico de segmentos sociais. O primeiro tipo de mídia visa mais a transmissão da informação e o segundo a mobilização social e a educação informal.

A mídia local tende a reproduzir a lógica dos grandes meios de comunicação, principalmente no que se refere ao sistema de gestão e aos interesses. Porém, diferencia-se quanto ao conteúdo ao prestar mais atenção às especificidades de cada região, enquanto a grande mídia conduz seus noticiários aos interesses nacionais e muitas vezes internacionais. Ela assume como características: o foco nos assuntos locais e regionais; os interesses mercadológicos; a exploração do local como nicho de mercado; o desenvolvimento da cidadania desde que haja a consecução de interesses empresariais; a participação dos cidadãos sujeita ao controle dos dirigentes; a produção de conteúdos feita apenas por especialistas; os conteúdos tendem a ser parte daqueles tratados pela grande mídia, mas com enfoque local ou regional etc.

A comunidade se situa dentro de um espaço local, e o espaço local é sempre mais amplo e diversificado do que uma comunidade. Por sua vez, os vínculos tendem a ser mais estreitos no espaço comunitário no que em nível local. Comunidade não pode ser confundida com bairro, cidade ou com segmentos étnicos, religiosos, de gênero, acadêmicos etc. Ela pressupõe a existência de elos mais profundos e não meros aglomerados humanos. São características de comunidade: sentimento de pertença; participação; interação, objetivos comuns; interesses coletivos acima dos individuais; identidades; cooperação; confiança; cultura comum etc.

É interessante notar que não basta falar de coisas do lugar para que um meio de comunicação possa ser considerado comunitário. O que mais importa são as identidades, o vínculo e a inserção como parte de um processo comunitário mais amplo, ou seja, o compromisso com a realidade concreta de cada lugar. A mídia comunitária tem como características a divulgação de assuntos específicos das comunidades; a participação das pessoas no processo de programação e gestão dos conteúdos comunicativos; a produção de conteúdos não necessariamente feita por profissionais; o objetivo de desenvolver a comunidade e a cidadania em conjunto; finalidades não-lucrativas; conteúdos produzidos de acordo com as necessidades, problemáticas, artes, cultura e outros temas de interesse local; alcance limitado em termos de cobertura e audiência etc.

Pode se depreender que, na essência, as propostas de mídias comunitária e local são muito diferentes entre si, porém em casos específicos podem ter algo em comum, como, por exemplo, no que diz respeito a alguns dos temas tratados, a preocupação em favorecer a participação popular e o interesse em colaborar no exercício da cidadania. Há que se observar, no entanto, que tratar de temas comunitários ou desenvolver conteúdos favoráveis ao processo de emancipação cidadã não é privilégio dos meios comunitários. Além dos meios locais e regionais, a grande mídia vem se dedicando a esse tipo de coisa no Brasil. Contudo, é evidente que existem distinções entre meios de comunicação orientados por princípios e metas comunitaristas e aqueles que apenas eventualmente se dedicam a conteúdos do gênero.
Ocorre também que muitos meios de comunicação, programas de rádio e televisão ou seções da mídia impressa e on line, (que de comunitário não tem quase nada), se auto-denominam de comunitários, como forma de angariar a imagem de “ligado/a à comunidade” ou de estar prestando “serviços de interesse da comunidade” para assim obter credibilidade local. Fazer uso do termo comunitário sem que haja aderência os seus princípios ou desenvolver programas que, sob o nome “comunitários”, criam desvios nos modos de articulação e mobilização comunitárias, ao invés de contribuir para o desenvolvimento desses grupos, acabam por reproduzir mecanismos de dependência e alienação.

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